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Entre Céus e Tempestades: uma mãe, seus filhos e o inesperado

Escrevo este texto enquanto voo. Estranhamente, o avião sempre foi um espaço onde me sinto leve. Viajar sozinha, hoje, é quase uma celebração silenciosa de liberdade, especialmente após anos de aventuras aéreas com meus dois filhos pequenos a tiracolo. Mas em uma ponte aérea Rio-São Paulo, as lembranças me puxaram para trás, para um tempo de desgaste, aeroportos, traslados e turbulências – não apenas nos céus, mas na vida.

A primeira vez que meu filho mais velho Camilo, entrou em um avião, ele tinha apenas 28 dias. E, a partir daí, nunca mais paramos. Morávamos em Brasília, minha família no Rio e a de meu marido, Lucien, na França. Entre idas e vindas, aprendemos a lidar com a rotina dos aeroportos. Mas foi quando Camilo tinha dois anos e Nico, meu caçula, apenas oito meses, que a verdadeira maratona começou: uma transferência para a Costa Rica. A viagem levava em média 11 horas. As opções eram a Varig, que parava em várias cidades; e a American Airlines, com uma escala de s 4 a 5 horas em Miami, EUA. 

Naqueles tempos, viajar era um verdadeiro desafio. Voar sozinha com dois meninos pequenos era quase uma prova de resistência. Com uma pulseira conectada ao Camilo para não perdê-lo, eu carregava o Nico no colo, sempre tentando manter o equilíbrio entre cuidar e sobreviver. As escalas eram uma odisseia à parte – como quando descobri que Nico não tinha visto americano em uma conexão em Miami, o que nos fez ficar detidos no aeroporto por horas. Sim, porque para a imigração dos EUA, mesmo que eu e meu filho de três anos tivéssemos vistos de dez anos, o bebê de colo não tinha, e por isso ele não podia entrar. Apesar de termos uma conexão em poucas horas, não nos deixaram entrar no aeroporto e tivemos que ficar em custódia até a hora do voo para o Brasil. Claro, Nico teve uma diarréia e eu usei todas as fraldas que havia levado. Mas isso foi apenas um capítulo de muitos.

Com o tempo, meus filhos cresceram, e as viagens se tornaram um pouco mais fáceis e menos mambembes. Mas as burocracias… Ah, essas continuavam. Informações desencontradas, autorizações para viajar sem o pai, documentos que faltavam, funcionários que exigiam o impossível. Entre juizados de menores, a polícia de imigração e as companhias aéreas, eu sofri muito embarcando com as crianças! Levamos muitas viagens para entender que eu tinha que levar tudo, sempre! Como sempre, eu buscava argumentar, apelando para um senso mínimo de razoabilidade (que quase nunca funcionava), eu terminava estressada, irritada e tensa. E em cada perrengue, eu via o olhar ansioso de Camilo, como se temesse minha reação ou as dos policiais. Viajar, algo que deveria ser prazeroso, tinha se transformado em uma fonte de estresse e cansaço para todos nós.

Então veio a fase final. Enquanto Camilo já era um veterano, com horas de voo que muito piloto iniciante ainda não tinha, Nico, por outro lado, desenvolveu um medo silencioso de voar. Ele não falava, não expressava com palavras. Apenas vomitava. E não uma vez ou duas, mas até não aguentar mais. Muitas vezes, nossa primeira parada no destino era o hospital, onde Nico precisava de soro na veia. Demorei para entender que o vômito era uma manifestação das crises de sua condição de autista. Além das dificuldades de se expressar, ele tem fobia de avião. É mesmo irônico considerando que viajar era nosso meio de conexão com as nossas famílias.

Nosso último voo juntos foi para Paris, em 2017. Desde então, Nico nunca mais entrou em um avião. Camilo ainda curte suas viagens, e Lucien segue sendo o especialista em aeroportos, malas, aviões e acredita que os profissionais de terra das companhias aéreas sabem bem menos que ele – e eu concordo! E eu? Bem, eu continuo amando a sensação de olhar pela janela do avião. Gosto de viajar na janela e ver o mundo lá embaixo, de reconhecer os lugares que conheço ou imaginar o que vou aprender ao chegar a um destino novo. Viajar sempre me ensinou algo. Apesar de todos os desafios, ainda gosto muito!

Fotos de uma viagem recente, Lucien e eu.

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