Nota Técnica do IBGE altera o enfoque da população com deficiência no país
Publicado em: 13/12/2018 | Por: Flávia Poppe | Policy Paper
Nota Técnica do IBGE altera o enfoque da população com deficiência no país
Em julho de 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) elaborou Nota Técnica que traz nova interpretação sobre dados do Censo 2010 aplicáveis às pessoas com deficiência[1], tendo como base sugestões do Grupo de Washington para Estatísticas sobre Pessoas com Deficiência, estabelecido com o objetivo de fomentar a cooperação internacional no âmbito das estatísticas relacionadas a pessoas com deficiência.
A releitura dos dados obtido no Censo de 2010 altera a linha de corte para quantificar pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil. Se antes o questionamento utilizado envolvia considerar todos os indivíduos que respondessem ao menos contar com alguma dificuldade motora, sensorial (auditiva e visual) ou intelectual/mental, agora o IBGE recomenda o uso de uma segunda linha de corte, considerando apenas as pessoas que relatam ter muita dificuldade.
Assim, em consonância com o novo viés, o montante de pessoas com deficiência no Brasil deixa de equivaler a uma população de aproximadamente 45 milhões de habitantes (23,7% do total) para ser representado por um contingente de cerca de 12 milhões de pessoas, ou seja, 6,7% das 190.755.048 recenseadas.
Essa forma de expor as estatísticas sobre pessoas com deficiência também ocorre em outros países. Relatório de 2013 da Academic Network of European Disability (ANED) indica que 24,9% da população com 16 anos ou mais dos países da Europa apresentava alguma deficiência, ao passo que 8,1% se auto considerava severamente afetado pela deficiência. Em breve comparação, é possível notar que são números próximos aos verificados no Brasil. Mas por que fazer essa distinção?
Há uma estreita relação entre envelhecimento e deficiência captada no primeiro corte – alguma dificuldade – que torna uma fração maior de pessoas elegíveis para receber benefícios sociais. Sob a ótica das externalidades positivas, esse emparelhamento de condições pode ser encarado como um bom fenômeno. Todavia, velhice e deficiência são questões sociais que possuem raízes diferentes, embora suas ramificações sejam facilmente entrelaçáveis quando o olhar predominante é voltado apenas às lacunas existentes, isto é, à preocupação com o que falta para ambas as condições, por exemplo, impedimentos e desafios cotidianos encontrados por esses públicos, bem como o tipo de assistência que precisam.
O Instituto JNG procura trazer luz ao debate – ainda incipiente – sobre as moradias para pessoas com deficiência. Frequentemente, o entendimento ganha aderência ao tema das residências para idosos, como se a raiz fosse a mesma. Fica presumido, portanto, que pessoas com deficiência, em especial de cunho intelectual/mental, carecem de cuidados exclusivos durante as 24 horas do dia, são totalmente dependentes e incapazes de encarar as tarefas cotidianas. Trata-se de um erro repleto de preconceitos, que, de acordo com a própria etimologia da palavra, são pré-conceitos.
As moradias independentes, que já são realidade na grande maioria dos países com políticas governamentais voltadas especificamente para pessoas com deficiência, oferecem a esse público o equivalente ao direito e prazer que qualquer outro cidadão faz jus e sente quando percebe ter chegado o momento oportuno de sair da casa dos pais. Dessa forma, a principal premissa a lastrear o conceito de inclusão envolve a educação para autonomia, ideal que se constrói por meio de um processo permanente desde a infância e a seguir por toda a vida.
É possível, portanto, efetuar uma interpretação positiva do novo corte proposto na Nota Técnica recém-publicada pelo IBGE, no que concerne a produzir informações que serão úteis à formulação de políticas voltadas para inclusão. Mas por que isso ocorre apenas no presente momento, oito anos depois da publicação do Censo? Como estamos às vésperas de um novo governo que deixa clara sua vocação antissocial em prol de reformas orientadas ao crescimento econômico, reduzir a linha de corte pode também significar, afinal, grande risco quanto à retirada de foco para a relevância do tema.