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“O que se vê olhando para outro lugar”

Essa frase de Jacques Lacan traduz bem o esforço de aprender a abrir espaço e descobrir novos caminhos possíveis. Se não olhamos para outro lugar quando vivemos a fase adulta de nossos filhos com deficiência, dificilmente percebemos o quanto a acomodação se instalou na relação, no dia a dia. E, se por um lado a acomodação nos dá a sensação de equilíbrio e estabilidade, por outro nos mantém fixos, no mesmo lugar. A transição para a fase adulta traz importantes desafios no que diz respeito à tomada de consciência dos filhos com deficiência que permanecem em casa, enquanto seus irmãos, primos e amigos começam a seguir suas próprias vidas — seja casando, estudando ou trabalhando. Essas mudanças podem desencadear crises mais profundas.

Foi o que aconteceu com Nico aos 25 anos. É muito difícil lembrar dessa fase. Ele perdeu muitas habilidades, criou barreiras que o impediram de continuar se desenvolvendo porque ele simplesmente perdeu o desejo de progredir. Ficou agressivo, violento. Com ajuda de terapias e medicação, ele recuperou o equilíbrio, voltou a ficar mais calmo e conseguimos retomar uma vida mais “normal”, com menos crises. Lucien e eu já estávamos cansados, nos aproximando dos 60 anos, mas enfim pudemos respirar aliviados com essa trégua. Lidar com um filho que exige tanto cuidado é extremamente exaustivo.

A bonança após a tempestade é um alívio que deve ser aproveitado, mas, ao conviver com filhos mais velhos, notamos como eles se acomodam às rotinas, e como as oportunidades de ganhar mais autonomia vão diminuindo. Percebemos também que nós, como pais, nos acomodamos a superar cada fase e, sem nos dar conta, vamos criando raízes no mesmo lugar. No entanto, é possível enxergar outros caminhos, basta olhar para “outro lugar”. Esse lugar, no caso, é a autonomia e o projeto de vida próprio dos nossos filhos.

Quando olhamos para esse “outro lugar”, o que vemos é a trajetória de vida única de cada ser humano, uma vida que precisa ser plenamente vivida. O corpo e a alma dos nossos filhos não nos pertencem. Nós somos o veículo que semeia amor, que apoia, cuida e ampara, mas devemos manter a fé de que existem diferentes caminhos, lugares e possibilidades que também não nos pertencem. 

Muitas famílias me falam das rotinas organizadas de seus filhos, da familiaridade com o bairro, dos vizinhos que os conhecem desde pequenos. É confortável… Então, por que mexer nisso? A resposta está justamente no que se vê quando olhamos para “outro lugar”. Eu tive a sorte de conhecer esse “outro lugar” na Inglaterra, quando visitei a Ability Housing Association, um modelo de moradia para vida independente com mais de mil moradores. Olhando para esse “outro lugar” pude ver uma vida com mais autonomia para o Nico, uma vida em que eu continuasse a aprender que, mesmo sendo sua mãe, seu apoio incondicional e sua parceira, ele tem o direito de ser quem ele quiser. Nunca deixarei de orientá-lo, mas passei a escutá-lo mais e a observar esse outro caminho.

Nico, após sua crise, não queria mudar, só desejava ficar quieto e tranquilo. Mas ele tinha apenas 29 anos. Foi insistindo para que ele olhasse para novos horizontes que ele ganhou confiança para sair de casa e morar sozinho, com o apoio da equipe do Instituto JNG. Quando ele se foi, abriu-se um buraco imenso na nossa casa, o famoso “ninho vazio”. E este é um novo capítulo importante. Muitos casais têm medo de olhar para outros lugares e aprender coisas novas. Mas o que se vê ao olhar para outro lugar são possibilidades, abertura, mais liberdade. É algo rico, interessante e cheio de oportunidades. Para toda a família.

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